"Muito obrigado por ter me ajudado a encontrar o equipamento certo para eu conseguir usar meu computador de novo, [...] graças a vocês consigo fazer qualquer coisa, me comunicar com minha família e amigos e jogar." Foi com essa carta que Joe, um jovem portador de deficiência do Reino Unido, agradeceu a ajuda que recebeu da equipe de Mick Donegan para conseguir um computador adaptado à sua condição física - e controlá-lo pela visão.
Mick é fundador e diretor da SpecialEffect (site em inglês), organização que adapta, de graça, controles de videogames e jogos de computador para portadores de deficiência física.
[O G1 publica nesta quinta e sexta-feira (1º e 2) a série 'Transformadores - pessoas que mudam o mundo', que conta histórias de gente que mudou a própria vida para melhorar a realidade de outras pessoas.Conheça todos os personagens.]
Aos 59 anos, casado com uma "linda, compreensiva, companheira e paciente" esposa, com três filhos e com um histórico de décadas de trabalho em educação especial, Mick passou a se dedicar integralmente ao assistencialismo em 2011 - e conseguiu formar uma equipe que hoje muda a vida de milhares de pessoas com deficiência.
Eles não podem brincar na rua como as outras crianças, então a interação com o computador ou videogame passa a ter um valor especial, explica Mick, que também é professor-adjunto do programa de pesquisa em acessibilidade SMARTlab, da Universidade de Dublin.
Confira a entrevista com Mick Donegan:
G1 - A ideia de trabalhar com educação especial foi motivada por alguma história pessoal?
Mick Donegan - Meu primo mais novo tem dificuldade de aprendizagem. Sentia profundamente sua frustração quando ele pecebeu que era tão difícil se comunicar. Por exemplo, ele queria muito conseguir dizer meu nome, mas apesar de tentar demais, em vez de 'Michael' ele dizia 'Maboo'! Quando cresci, não podia deixar de compartilhar o meu profundo sentimento de frustração e até mesmo raiva de todas as pessoas com deficiência de comunicação que têm algo a dizer ou expressar criativamente, mas que são incapazes de fazê-lo, quer de forma suficientemente rápida ou, em alguns casos, incapaz de expressar-se totalmente.
G1 - Quando você criou a organização? Por quê?
Mick - Comecei cerca de 4 anos atrás. Nos primeiros 3 anos, trabalhei voluntariamente no meu tempo livre. Aí, ano passado, consegui trabalhar em tempo integral. Agora trabalho em tempo integral e no meu tempo livre também!
Minha formação é em educação especial e tenho trabalhado para ajudar as pessoas com deficiência a se beneficiarem da tecnologia assistida por muitos anos. Estive envolvido em muitas missões para ajudar pessoas com deficiência grave a encontrar a tecnologia certa para ajudá-los com a comunicação e acesso à aprendizagem. No entanto, fiquei cada vez mais consciente de que, enquanto muitos profissionais oferecem suporte para comunicação e aprendizagem, uma área que necessita e que tem muito pouco apoio é o acesso à tecnologia para jogos e expressão criativa.
Muitas vezes, por exemplo, no final de uma missão para encontrar uma ferramenta de comunicação para uma criança que não fala em uma cadeira de rodas, os pais dizem 'Bem, a tecnologia que você recomendou será útil para que ela possa se comunicar e conseguir aprender, mas o que eles fazem quando chegam em casa da escola? Eles não podem correr ou jogar como as outras crianças. Como eles podem encontrar maneiras de jogar jogos com amigos e familiares?'.
Eu fui sortudo porque consegui fazer um projeto piloto no qual percebi que muitas pessoas portadoras de deficiência precisavam desesperadamente usar o computador para lazer - para fazer amigos, para a motivação, para competir, e, claro, para se divertir!
G1 - Quais foram as maiores dificuldades?
Mick - A principal dificuldade é que, na minha opinião, a tecnologia que permite que as pessoas com deficiência desfrutem de videogames está cerca de 1/4 de século atrasada em relação a muitos outros tipos de tecnologia assistida, como para a comunicação, aprendizagem ou mobilidade. Assim, a principal dificuldade é que temos cerca de 1/4 de século de tempo perdido para compensar!
Além disso, devido à falta comparativa de apoio e incentivo para que as pessoas com deficiência aproveitem os jogos de computador, outra dificuldade é que muitos desistiram de tentar. Por isso, quando trabalhamos com uma pessoa para encontrar uma solução para ela, uma parte muito importante do trabalho é mostrar o que pode ser feito. Uma maneira de fazer isso é pelo uso de vídeos de casos de estudo, que colocamos na nossa base de dados (em inglês).
G1 - Quais são as mudanças mais comuns que precisam ser feitas nos games?
Mick - Às vezes nenhuma mudança é necessária. É uma questão de encontrar a combinação certa de um controle existente com o jogo certo para satisfazer as necessidades da pessoa. No entanto isso está longe de ser tão fácil como parece. Há muitos milhares de controles, muitos milhares de jogos e diversos tipos de deficiência. Para encontrar a combinação certa é preciso ter uma considerável sensibilidade, experiência e especialização.
É por isso que sempre foi minha intenção que a 'SpecialEffect' fosse um verdadeiro centro de excelência, com especialistas em educação, especialistas em saúde e especialistas técnicos, bem como especialistas em design e programação. Às vezes exige um controle criado especialmente para um indivíduo. Às vezes, uma modificação no software pode ser necessária. Por exemplo, só pode ser controlado pelo teclado e gamepad. Uma interface especial de software é criada pelo programador, Tim Brogden. Isso significa que muitas pessoas com deficiência usando controles de ponteiros, como joysticks especiais, de bolas, mouse e até mesmo controles pelo olhar podem jogar.
Mick - Nós fazemos o melhor para ajudar qualquer pessoa que queira jogar um videogame, de qualquer idade, com qualquer deficiência a ser capaz de se divertir. Fazemos isso da seguinte forma: primeiro existe a informação no nosso banco de dados (GameBase), que oferece informações sobre os tipos de jogos que se pode jogar usando uma variedade de controles diferentes, dependendo de sua deficiência. Se eles não acharem a informação que precisam, então eles podem entrar em contato por e-mail. Nós também temos uma biblioteca onde é possível pegar emprestados jogos e controles para pessoas com deficiência no Reino Unido.
Isso permite às pessoas experimentar controles e softwares antes de comprá-los, muitas vezes economizando um enorme tempo e dinheiro. Temos também uma sala de jogos (GamesRoom) no nosso centro, em Oxfordshire, onde as pessoas podem agendar uma visita para experimentar uma gama de jogos e controles com o apoio da nossa equipe de especialistas. Se é impossível para alguém visitar o centro por causa da deficiência, então podemos organizar uma visita da equipe à casa da pessoa para ajudar a encontrar a tecnologia certa e, se necessário, desenhar ou modificar sistemas.
G1 - Os serviços são gratuitos?
Mick - Sim. Para qualquer um, com qualquer deficiência, de qualquer idade. Isso é fundamental para nosso trabalho, temos que trabalhar arduamente para gerar os fundos que necessitamos para que tenhamos o pessoal e os recursos de equipamentos necessários para fornecer tal suporte de trabalho intensivo e especializado. Por exemplo, estou fazendo uma caminhada sobre brasa e vidro patrocinada em alguns meses - espero sobreviver!
G1 - Como é o retorno das pessoas?
Mick - Muito positivo! Por causa da variedade de serviços que oferecemos, da informação disponível no site pelo suporte individual, se necessário, as pessoas podem descobrir o nível de ajuda que precisam. Como há muitos que vistam o site, encontram a informação que precisam sem a necessidade de nos contatar, cada vez que alguém nos contata para pedir ajuda - por email, telefone ou pessoalmente - isso vira um projeto de pesquisa, [...] um processo interativo com o objetivo de encontrar uma solução que melhor supra as necessidades do indivíduo.
Até agora, muitas pessoas têm sido generosas no agradecimento. Nós ajudamos um jovem chamado Joe, paralítico, a usar um sistema de controle pela visão para manejar o computador e acessar games. Antes disso, tudo o que ele podia fazer era ver TV. No dia seguinte que emprestamos o sistema a ele, sua mãe ligou para falar sobre seu progresso e disse: 'Ele está nisso o tempo todo - é como se vocês tivessem dado uma nova vida a ele!'
Mick - A informação da nossa base de dados é usada por pessoas de todo o mundo, como mostra a variedade de nacionalidades de membros que temos. Nós não temos atualmente uma forma de contabilizar as visitas ao site, mas todas as indicações (como os números de visitas e nossos links no YouTube) apontam para dezenas senão centenas de milhares de visitantes. No entanto, muito mais importante que números é a diferença que fazemos para a qualidade de vida de quem precisa de ajuda. Alguns exigem apoio intensivo - se cobrássemos pelos serviços, os valores chegariam a milhares de libras - e a diferença que conseguimos fazer é enorme. Em alguns casos, devolve realmente a muitas pessoas com deficiência a vontade de viver.
G1 - O que precisa ser feito, na sua opinião, pela indústria dos games para incluir essas pessoas como consumidores?
Mick - Além de informação e suporte pessoal como descrevi acima, um de nossos serviços chave é colaborar com os desenvolvedores de software e hardware para fazer os games mais acessíveis a partir da palavra "go" (ir).
G1 - Como você se sente com a iniciativa? Compensa?
Mick - Como disse acima, as pessoas que avaliam a qualidade de nosso trabalho são aquelas a que tentamos mais ajudar. Às vezes toma muito tempo e esforço, mas, quando chegamos a uma solução satisfatória, para nós é uma jornada compensadora. Disse acima o que a mãe de Joe nos falou quando o ajudamos a usar o computador. Joe escreveu para nós:
"Muito obrigado por ter me ajudado a encontrar o equipamento certo para conseguir usar meu computador de novo, estava achando muito difícil fazer coisas que gosto no computador. Agora, graças a vocês, consigo fazer qualquer coisa que quiser e posso me comunicar com minha família e amigos e jogar jogos de novo. Sou muito agradecido a vocês. Muito obrigado, Joe"
Se vale a pena? Bom, não consigo pensar em um motivo melhor para levantar da cama de manhã!
Fonte: Giovana Sanchez - Do G1, em São Paulo
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